Da Voz do Botaréu à Festa dos Pobres
Da Voz do Botaréu às Festas dos Pobres...
Nas noites quentes de verão o Largo Conselheiro Albano de Melo e o paredão da margem do Botaréu enchia-se de gente a passear à beira-rio, aproveitando a frescura que era dada pelas águas correntes do nosso rio...
Dos altifalantes do pequeno estúdio do Tenente Flores entoavam os sons da Voz do Botaréu!
⁃ “Teus olhos castanhos de encantos tamanhos são pecados meus…”, cantava uma das vozes da rádio na época, Francisco José!
A Voz do Botaréu foi uma iniciativa do Tenente José Flores, enfermeiro militar que veio para Águeda e por cá ficou depois de ter cuidado os feridos do Combate das Barreiras na “Traulitana”. Tinha consultório no mesmo edifício, onde esteve o café Zip-zip e agora o Gambrinus, mas virado para o rio…
A Voz do Botaréu animava aquelas noites da baixa ribeirinha na praça jardim Conselheiro Albano de Mello e pela margem do rio, e, até lá, eram atraidos não só os jovens, mas também famílias que passeavam seus filhos. Lembro Maria Edite Ramos, era a locutora de serviço e ia apresentando as músicas e fazendo as dedicatórias:
-“…e agora para a menina da blusa rosa uma dedicatória de um admirador misterioso…
- Vamos ouvir Paul Anka… “
E e a canção entoava:
-“Put your head on my shoulder…”
Eram os discos pedidos e cada pedido ou deducatoria custava vinte e cinco tostões…
E os jovens percorriam de lá para cá o picadeiro do Botaréu ouvindo os discos pedidos… Aos pares ou em grupo, namorados abraçados ou de mão dada... alegres e brincalhões, pais e filhos e… os solitários olhando as águas mansas do Águeda e ouvindo as melodias difundidas nos altifalantes…
Eram as noites de Águeda… bem passadas e divertidas...
Anos mais tarde naquele lugar com o Botaréu alargado e arranjado, por iniciativa do Pároco de Águeda, o Padre Miguel da Cruz, seguindo pisadas dos seus antecessores, entre os quais o Pe. Amílcar Amaral, e com a ajuda de pessoas influentes da Nossa Terra nasceram as Festas de Águeda, vulgo dos Pobres ou de Beneficência.
Eram dias de grande animação na baixa de Águeda, com muita luz, cor e música. Em dias alternados e em especial aos fins de semana a programação continha: Festivais de Folclore, Concursos da Canção, Desfiles de Vestidos de Chita, Noites com Artistas Consagrados, Concertos de Bandas Musicais, Música com Grupos de Baile, etc.
À volta a instalação de stands das fábricas e empresas sediadas ou com interesses em Águeda expondo os seus produtos, que diariamente, em especial à noite, eram visitados. Foram as primeiras feiras de exposições de Águeda.
No recinto existiam também barracas diversas: de rifas, de venda de flores com quadras, de louças da região, de artesanato e pois claro as vendedeiras de doçarias e guloseimas…
Num ano, com muito sucesso, tiveram o acampamento das ciganas… que liam a sina e bem disfarçadas descobriam algumas verdades e as “carecas” dos incautos!!!
Era uma animação que invadia a zona ribeirinha da Vila e atraia até lá gente de todo o concelho e das regiões vizinhas…
Falta falar do restaurante gerido por uma Comissão de Senhoras onde eram servidos pratos da cozinha tradicional e a bela doçaria de Águeda e a procura era tanta que tinha de ser feita reserva com antecedência para lá se ir jantar…
Já na altura lá havia frango assado tipo churrasco, tendo o Sr. Serra, comerciante da Rua de Cima, como chef devidamente trajado, como assador!
Lembramos alguns dos pratos de bacalhau, como o Bacalhau à Zé do Pipo, o Bacalhau à Noiva e o...
BACALHAU ALBARDADO À MODA DE ÁGUEDA
Ingredientes:
⁃ 400 grs de bacalhau bom
⁃ 2 cebolas
⁃ 5 colheres de sopa de azeite
- Sal e pimenta
⁃ 3 gemas de ovo
⁃ 1 ramo de salsa
⁃ Mostarda
⁃ 5 colheres de sopa de água
Modo de Preparação:
Depois de bem demolhado e escorrido, partir o bacalhau em filetes grossos. De seguida, envolvem-se estes em ovo batido e fritam-se em azeite. Fazer um refogado com azeite, cebola picada, pimenta e algumas colheres de água. Depois de ferver um pouco, temperar com sal e engrossar com gema de ovo batidas em bom vinagre.
Dispor os filetes de bacalhau numa travessa, rega-los com o molho e enfeitar com azeitonas.
(Receita de ROSINHA COSTA)
Mas muito outros pratos lá eram apresentados para delícia dos comensais ou não fossem as senhoras de Águeda excelentes cozinheiras e para lá levavam as suas cozinheiras e serviçais para que tudo saísse a preceito. A título de curiosidade lembro a Dª Gininha Tavares e a Dª Conceição Neto, mas muitas outras lá davam o seu contributo em prol da causa defendida. (em anexo foto do grupo alargado dessas Senhoras de Águeda, que colaboravam nos diversos sectores da festa e não só no restaurante).
ARROZ DE AÇAFRÃO COM PATO OU GALO
À MODA DE ÁGUEDA
Ingredientes:
⁃ 1 pato (ou galo)
⁃ 1 salpicão de carne
⁃ Carne gorda da barriga (entremeada)
⁃ 1 cebola
⁃ Arroz q.b.
⁃ Alho
⁃ Margarina
⁃ Sal e pimenta (piri-piri) q.b.
⁃ Vinho Branco
⁃ Cravinho
⁃ Água
Modo de preparação:
Coze-se o pato (ou galo) com a carne gorda entremeada (de porco), um salpicão e uma cebola em que se espetam alguns cravinhos.
Barra-se com uma papa de alho, margarina (ou banha). Sal e pimenta (ou piri-piri). Vai-se regando com um pouco do caldo da cozedura e também com vinho branco.
Torra-se um pouco o açafrão. Depois derrete-se num pouco de caldo da cozedura do pato que também se junta à água para cozer o arroz. Uma vez tudo pronto, corta-se o pato e as carnes já cozidas que são colocadas por cima do arroz já na travessa a enfeitar.
Nota: Esta prato era muito usado por alturas da Páscoa.
(Receita da Ti Laurinda)
No grupo de Senhoras de Águeda havia verdadeiras doceiras e por isso ao longo dos dias das festas foi um autêntico desfilar de deliciosas sobremesas...
ENCAROÇADO
Ingredientes
- 100 gramas de tapioca
- 9 dl de leite
- 250 gramas de açúcar
- 6 gemas de ovos
- Limão q.b.
- 1 pau de canela
- 15 gramas de manteiga
- Sal q. b.
Modo de preparação
Põe-se a tapioca a demolhar de um dia para o outro, bem coberta de água. No dia seguinte, escorre-se e leva-se ao lume com o leite, a casca de limão e o pau de canela.
Assim que começar a ferver juntar o açúcar deixando cozer.
Retira-se do lume e deixa-se arrefecer um pouco, juntando as gemas batidas. Volta ao lume para cozer.
Depois juntar a manteiga, mexer e retirar o pau de canela e as cascas do limão.
Deitar numa travessa e enfeitar com canela. Está pronto a servir.
(Receita de Alzira Gameiro)
TORTA DE AMÊNDOA C/ OVOS MOLES
Ingredientes:
1º- 12 ovos (para os ovos moles)
- 250 gramas de açúcar
2º - 6 ovos
- 300 gramas de açúcar
- 150 gramas de farinha
- Pão ralado
- 1 colher de chá mal cheia de fermento.
- Amêndoa com pele
Modo de preparação:
Os ovos moles são feitos com 250 gramas de açúcar e 12 gemas de ovos.
Bater as 300 gramas de açúcar com as 6 gemas de ovo. As claras batidas em castelo, muito bem. Juntar as 150 gr. de farinha e amêndoa moída com a pele e por fim o pão ralado e o fermento. Vai depois ao forno num tabuleiro bem untado com manteiga.
Depois de cozida, desenforma-se, recheia-se com os ovos moles e enrola-se. Coloca-se num prato próprio e está pronta a servir.
(Receita de Maria Isabel Soares Madeira Morais)
DELÍCIAS DA AVÓ
Ingredientes:
- 5 claras de ovos
- 4 pacotes de nata
- 200 gramas de açúcar
- 10 gramas de Bolacha Maria (moída)
Para o DOCE DE OVOS:
- 5 gemas de ovo
- 125 gramas de açúcar
- 4 colheres de sopa de água
Modo de preparação
Batem-se as claras em castelo. Num outro recipiente, batem-se as natas, as quais se junta o açúcar, continuando a bater. A esta mistura, juntam-se as claras e mexe-se.
Coloca-se em tacinhas, cobre-se com o doce de ovos e enfeita-se com com a Bolacha Maria moída.
DOCE DE OVOS
Leva-se o açúcar com a água a lume brando, mexendo sempre até atingir o ponto pérola. Depois de arrefecer, juntam-se as gemas e mexe-se novamente e, em seguida, leva-se a lume brando até engrossar.
Nota: Deve servir-se fresco.
A terminar esta resenha história vou desenvolver alguns detalhes biográficos de duas figuras acima faladas:
Tenente José Flores
Como referimos, era Enfermeiro Militar e terá vindo para Águeda no tempo da “Traulitana”, aqui se radicou e constituiu família, casando com Dália de Lemos Guerra. Tinha Consultório de Enfermagem no edifício da beira-rio e ao lado abriu o estúdio da Voz do Botaréu. Foi pai de dois filhos: Jasmindo Guerra Flores e Orquídea Flores (Maria Orquídea Dália Flores Lobão da Cruz), figura destacada da cultura aguedense, que viria a casar com o Tenente-Coronel Lobão e deste casal nasceram dois filhos: o Hélder e a Neló. Esta foi noiva do Cancioneiro de Águeda e vive atualmente na Figueira da Foz. O Hélder foi militar em Moçambique e quando regressou foi convidado por um familiar a emigrar para o Brasil onde viveu e casou, tendo regressado há uns anos à sua terra natal onde vive (esta memória foi-nos reportada pelo próprio).
Pe. Miguel Cruz
Segundo nos relata o jornal Soberania do Povo na edição do 26 de Julho de 2023...
“Completaram-se, a 17 de julho, 100 anos sobre a data de nascimento do saudoso Padre Miguel José da Cruz, que exerceu o ministério pastoral em Águeda, entre 1958 e 1970, e que faleceu a 5 de novembro de 2008, com 85 anos.
Miguel José da Cruz, sacerdote do Presbitério Diocesano de Aveiro, nasceu na Murtosa em 17 de julho de 1923 e foi ordenado presbítero a 3 de julho de 1949, na Catedral de Aveiro, por D. João Evangelista de Lima Vidal. A sua formação preparatória para o sacerdócio decorreu no Colégio das Chagas de Vila Viçosa e nos Seminários de Évora e dos Olivais (Lisboa).”
Foi professor de Religião e Moral na Escola Industrial e Comercial de Águeda.
Veio para Águeda incumbido de terminar a obra do CEFAS( inaugurado 1967).
Além da Festa dos Pobres já acima referido, ao Pe. Miguel se deve a fundação em Águeda do Agrupamento 141 do Corpo Nacional de Escuteiros, no dia 23 de Abril de 1961, tendo já completado 63 anos.
In retalhosdeaguedaantiga.blogspot.com
By Joao Carlos Breda
#euaprendizdegastronomomeconfesso
#CESBA
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