Na Rua da Cancela…
Pela Rua da Cancela!
Contornando os combros pejados de negras amoras enveredou pela viela do quartel do 3. Batalhão do Regimento de Infantaria 28 e desceu a ladeira do Outeiro até à Praça Velha.
Ao passar à taverna da ti-Maria Benta o cheiro a tripas entrou-lhe pelas narinas, como um desafio, mas o seu destino era outro e não entrou para o petisco.
Chegou à Cancela! Das janelas das casas baixinhas pendia roupa a secar e o aroma a pão quente despertou-lhe os sentidos. Vinha do forno dos Guerra e à porta estava a roliça Libânia “Loura” despedindo-se da Alda, da Viela dos Padres, que punha o açafate à cabeça com os doces que iria vender domingo à saída da missa!
Entrou e deparou-se com a azáfama do amassar, tender e enfornar…
Libânia regressou para a amassadeira, tinha fornadas de folares a fazer e ainda uma encomenda de pão de ló, para não falar nos folhados recheados da receita da ti- Quitéria, que prometera levar à casa do Coronel na Rua de Cima!
Jacinto ficou por ali a olhar e foi convidado a provar um doce de gema feito nessa manhã.
Era um doce de festa, vendido em todas as romarias da região e sempre presentes nas casas da gente de Águeda em dia de festa. Havia quem lhe chamasse Sequilhos.
Receitas:
BOLOS DA PÁSCOA/FOLARES DE ÁGUEDA
Ingredientes:
Massa para 4 kgs:
-4 kgs de farinha;
-1 kg de açúcar;
-1/2 kg de manteiga;
-1 colher de sal;
-32 ovos (8 por kg de farinha ou mais...);
-15 gr fermento padeiro;
-1/2 litro de leite;
-Casca de limão;
-1/2 cálice de aguardente...
Preparação:
Amorna-se o leite e dissolve-se nele o fermento... junta-se um pouco de farinha (cerca de 250gr). Deixa-se levedar... deve ficar com o dobro do volume...
Num alguidar ou numa gamela batem-se os ovos inteiros, junta-se a casca de limão, o sal, o açúcar e o fermento já preparado e depois a farinha...
Vai-se juntando a manteiga já previamente derretida...
Amassa-se muito bem como que para pão...
Quando a massa estiver lêveda (dobro) deixa-se descansar por 12 horas cobrindo-a com cobertores de papa ...
No dia seguinte tendem-se os bolos que se vão dispondo num pano de linho enfarinhado (polvilhado).
Antes de levar ao forno a lenha previamente aquecido faz-se a dobra com um pouco de azeite.
Ao meter no forno colocam-se em cima de uma folha de couve para não se queimarem no lar do forno...
Depois de os tirar do forno e ainda quentes, untam-se com manteiga.
Os Bolos da Páscoa, melhor... os Folares de Águeda não são melhores do que quaisquer outros... mão são sem dúvida diferentes!
PÁO DE LÓ DE ÁGUEDA
Ingredientes:
35 Ovos
17 Claras de ovos
850 gr açúcar
350 gr farinha
Preparação:
Batem-se as gemas com o açúcar até ficarem embranquecidas, depois as claras em castelo e finalmente a farinha só mexida.
Forma forrada com papel
Jacinto de vez em quando vinha à porta ver os passantes, na esperança de ver Maria…
Maria era a filha mais velha do casal José Pedro Soares de Melo e de Júlia Trindade Guerra, que viviam ali paredes meias com o forno dos Guerra na rua da Cancela. O casal já tinha outras filhas: a Ana, a Teodorina, a Arminda (minha avó materna), a Magda, a Lídia e um rapaz, que tomara o nome do pai, José Pedro e por último a Iva.
Era um namoro que prometia e mais tarde, depois de casados, rumaram a África, foram para Moçambique onde nasceu o Zeca e a Rosa. Maria adoeceu com as malditas febres e por lá ficou. Jacinto regressou à terra natal com os dois filhos ainda meninos. Foi recebido pela família e a matriarca, a mãe Júlia, logo tratou da criação dos meninos.
A solução encontrada foi casar Jacinto com a filha mais nova, a Iva. Não foi decisão fácil de aceitar pela Iva, que até já tinha um namoradito, mas a voz da família falou mais alto e Jacinto desposou a cunhada mais nova, que veio a ser uma extremosa esposa e mãe dos seus filhos. Mais tarde nasceram a Anunciação, o Ângelo e a Candelária. De todos eles, a única que sempre permaneceu em Águeda foi a Anunciação Melo, que tinha uma voz de rouxinol e que a todos encantava nas récitas e nas operetas de Águeda. Os outros foram correr vida para África, para onde voltou a Rosa e foi a Candelária. O Zeca e o meio-irmão Ângelo foram para o Brasil.
Notas biográficas da família Soares de Melo:
Estamos em 2024 e escrever este texto é reavivar a memória de uma passagem bem marcante e significativa da minha família materna e em especial do carácter da minha bisavó Júlia Trindade Guerra.
Aproveitamos para falar um pouco das restantes filhas e assim tentar clarificar a mente dos meus leitores, porque os nomes só por si não serão muito esclarecedores. Assim e de forma ligeira começarei pela Ana, Ana Soares de Melo... Todas as filhas receberam apenas os apelidos do pai José Pedro, cognominado de “Machão” pelas filhas, que não autorizou que algum apelido da mãe constasse do nome das filhas.
A Ana foi casada com o tio Constantino e foram proprietários da olaria de São Pedro – a conhecida Fábrica dos Bonecos – onde quase toda a família trabalhou, principalmente os sobrinhos. O tio Constantino era um conhecido homem de esquerda e por diversas vezes esteve preso, tendo a ti-Aninhas de assumir o controle da olaria na sua ausência.
Teodorina, casada com o nortenho Alves Pereira, foram proprietários da chapelaria da Rua de Cima. Tiveram 5 filhos: Manuel “Chapeleiro”, Iracene, Maria da Glória, António “Aviador” e o Abel.
A Magda casou em Recardães com o tio Joaquim, donde nasceram quatro filhos: a Graciete, a Iracene (casada com João Moreira, a alma da Foto Gomes), a Rosa Maria (casada com Gustavo Bessa Gomes) e o Fausto Melo, que foi funcionário do Banco Pinto & Sotto Mayor.
A Júlia, casou com o tio Daniel “Rola”, sapateiro, ao pé de quem nunca ninguém estava triste. Tiveram duas filhas: a Júlia (casada com Óscar Bessa Gomes) e a América (casada com J. Fernandes)
O tio José Pedro Soares de Melo, casou em Aveiro com a tia Leopoldina (professora), conhecida por tia-Popó. Assim lhe chamavam as sobrinhas por esta ter aparecido um dia em Águeda de automóvel. Tiveram duas filhas: Maria Luísa e Maria Lucília. O tio José Pedro foi músico e compositor, sendo autor de muitas das músicas das revistas levadas à cena em Águeda.
Por último falar da minha Avó Arminda, que casou com Adriano Tavares de Sever do Vouga, funcionário público e canastreiro de profissão, mas também apreciado músico, tendo assumido a direção na Música de Águeda nos últimos anos de existência desta, dada a sua qualidade de Primeiro Clarinete.
Para terminar falar da Iva, a última das filhas que viveu na casa da Rua da Cancela, hoje Soberania do Povo, que muitos conheceram como a bondosa contínua da Escola do Adro. O ti-Jacinto era um apaixonado da Música de Águeda e embora não sendo executante sempre desempenhou funções dentro da banda: como secretário ou responsável do fardamento. Foi contabilista na Fábrica dos Bonecos do Ti-Constantino e mais tarde trabalhou na loja Phillips do Goethe Guerra e depois no armazém das Ferragens Reunidas. Era o tio do cabelo branco!
João Carlos Breda
(Reservados os direitos de autor)
In retalhosdeaguedaantiga.blogspot.com
By Joao Carlos Breda
#historiascomreceitas
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