Águeda é de todos... dos simples, dos humildes... dos aristocratas...


Como habitual, naquela tarde de domingo fui à procura da malta e entrei no café Jardim... No “pateo sevilhano” jogava-se animadamente poker de dados... Subi ao salão de bilhares no primeiro andar... havia grande movimento à volta das mesas... Não sendo grande jogador gostava de ver os bons de taco e bola e as apostas!...  Dois dos amigos que procurava estavam na varanda e pareciam divertidos com algo que se passava em baixo no cruzamento da EN1 com a estrada Aveiro-Caramulo... aproximei-me e vi então o Zé Cheta em grande estilo a fazer de sinaleiro no meio do cruzamento!

O Zé Cheta era uma figura popular de ÁGUEDA, cravava uns cigarros, fazia uns recados aos comerciantes da baixa e bebia uns copos...

Como ele haviam outras figuras típicas, o caso do Júlio dos Jornais que com o seu carro de mão lá andava rua acima rua abaixo a fazer recados e principalmente a transportar os jornais para o quiosque do Seminário... já antes o fazia para o Conde e para o Rino...

O Júlio nas segunda-feiras a seguir aos “derbies”, caso o Benfica ganhasse ia para a Rua de Cima acirrar o Sr. Ribeiro das Fazendas, que era Portista, ou se o adversário derrotado tivesse sido o Sporting, parava defronte da Sapataria Saraiva e, na esquina o ti-Chico Balreira ria e dizia “piu”!

Mas haviam outros... o Chico “Tinhoso”, fardado e de boné militar, mas sempre de pé rapado... as botas da tropa nunca chegaram a aparecer...

De pé rapado... e que pé ele tinha!!! Era o Mário “de Barrô”... caminhava com uma passada larga e ninguém o apanhava... corria tudo com seu chapéu à “capone”, lançando o seu grito “trorem” e costumava dizer: “vou a Albergaria e volto já”... e quando parava cantarolava uma lengalenga ao som do tamborilar com os dedos numa caixa de fósforos: “de Portugal, Portugal dos portugueses, portugueses de Portugal... “ e por aí adiante!


Depois havia os humildes, como o Laranjinha” ou os mal-educados, quando assanhados, como a Anselma “Pum” e outros...

Uns eram pobres de espírito, outros mendigos... mas também havia os que preenchiam os dias da nossa Vila e que pela sua postura se tornaram figuras típicas... Lembro-me do Bento a vender a Lotaria e do Bicho com as suas quinquilharias e gravatas... e quando se cruzavam à porta do Café Moderno dizia o Bicho para o Bento: “não me empurres ò Bento” e respondia-lhe o outro de imediato: “não me toques ò bicho!”

Depois tínhamos uma figura que precocemente desapareceu, filho de gente respeitável da nossa Terra,  sempre elegantemente vestido com seu pull-over e calças de golfe e equipado com sua máquina Kodak ao pescoço - o Chico Zé - que não perdia a presença de uma jovem bonita para logo por detrás dos seus óculos de lentes "cu de garrafa" abrir um sorriso e perguntar: “vai um retrato?”... Tirou milhares de retratos mas nunca ninguém viu um único!? A máquina nunca teve rolo!!!


E correndo as aldeias em redor podemos falar de outras figuras populares como no Ameal o Ti-Eugénio “Estai”, que com a sua bicicleta transportou milhares de “garotos de 5 anos” (garrafões de vinho) para a clientela da Vila, depois cidade...

E nas procissões da Semana Santa em que os “humildes” transportavam os cofres de cada andor... recordamos o Mudo de Assequins que sempre carregava o cofre do Senhor dos Passos... 


E o homem da Sacabuxa?


Muitas outras figuras poderiam ser aqui lembradas como o amolador de tesouras, que com a sua gaita percorria as ruas da vila também para consertar guarda-chuvas ou para pôr um “gato” numa travessa ou prato! 

Por certo haveria muitas mais e muitas histórias para recordar, como por exemplo o Albano “Mazanza”, bom homem, servil e honesto... Trabalhava na Fábrica do Outeiro e num dia do seu aniversário chegou junto de meu pai e disse-lhe: “Ò sô João, parabéns! Hoje faço anos!”... O meu pai, vendo tal exaltação e adivinhando-lhe o desejo, lá combinou no fim do trabalho ir pagar-lhe a merenda!


Mas para terminar vou lembrar o poeta e escritor Ernesto Ruela, Barão do Souto do Rio,  com a sua figura esguia e negra, de sobretudo e chapéu pretos,  metia respeito aos mais novos, confundindo-se com as sombras quando fazia o trajecto de sua casa, na Rua José Maria Veloso, até ao Adro, para a missa de vespertina e visita ao cemitério... e depois a caricata cena de pôr as cartas no marco do correio onde permanecia longos minutos como para se certificar que a carta tinha chegado ao destino!...



Todas estas figuras populares de Águeda, uns mais humildes outros mais típicas ou eruditas, ajudaram a moldar a nossa Terra e por isso nos atrevemos a sugerir que, tal como vemos por esse Mundo fora e já em algumas cidades de Portugal (exemplo de Fernando Pessoa tomando o seu café na Brasileira), fossem imortalizados no bronze e devolvidos aos locais aonde pertenciam... Seria um gesto nobre e Águeda ficava enriquecida!




Ilustrações: Desenho do autor do blog. 

Fotos: Com a devida vénia retiradas da internet ou de publicações no Facebook.

Comentários

  1. E aquele S.Abilio do sardão que tinha falta de uma perna, e quando vinham as cheias ao campo, ele ia com a barca para o rio á lanha. Um dia perdeu a vara e começou a gritar.Ó povo do sardão acudão ao bila que vai na barca.
    Fernanda Henriques

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  2. Parabéns meu amigo, esta imagem por ti descrita é efetivamente uma realidade. Também me recordo de todos, nomeadamente do Mário tolo de Barrô. No nosso
    último almoço falamos nestas personagens castiças de Águeda , mas esquecemos
    do velho Famfas, que fazia uma sande à FAMFAS!...TU és a pessoa indicada para explorar as figuras que ÁGUEDA TEVE COMO: Júlio, Cheta, Mário Barrô, Estai, Famfas e
    o Brás dos kiwis. Um abraço até sexta feira!!!
    Anibal Simões de Almeida

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  3. ENTÃO , ESQUECESTE A PRECIOSA DA VENDA NOVA QUE NOS JOGOS DO RECREIO CHAMAVA NOMES AOS ARBITROS , E NOMES BEM RUINS, E COM O COTO DO BRAÇO ATIRAVA PEDRAS E RARAMENTE FALHAVA O ALVO. OUTRA FIGURA TÍPICA ERA AQUELE QUE GRITAVA SEMPRE Ó MEU PORTINHO LINDO , ÉS O MAIOR .... E TINHA SEMPRE UMA BANDEIRA DO PORTO EM CASA . MORAVA PERTO DA CAPELA DE S. SEBASTIÃO .... KKKKKKKK ENFIM BONS TEMPOS.
    Nelson Guerra Baldaia

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  4. O homem da «sacabucha» era o João «marreca», irmão do Albano «mazanza» e do Raúl Ribeiro «Lanhezes». Houve uma outra figura típica da baixa de Águeda, o «BIBI», tinha uma irmã que vivia na casa da D.Joana Cabedo e Lencastre. Também fazia recados tal como o Júlio. Se bem me recordo foi para o Brasil onde tinha família...
    Alvaro Breda

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    Respostas
    1. É verdade... Lembro-me de perguntarem pelo BiBi e a resposta era sempre: "Foi para o Brasil"!

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  5. João, quando referiste o Sr Ernesto Ruela com as suas idas à igreja e ao cemitério, também vestida de negro, com uma espécie de lenço branco de freira, debaixo de outro preto, a figura Incomparável da Glória dos Padre-Nossos. Aquela figura para mim era assustadora!
    Ah, um pormenor, também usava um terço negro pendurado! acho que, no seu subconsciente, ela era uma espécie de freira que não teve lugar numa Ordem!!
    Luciana Oliveira

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