Meninice...
Ao comer um dióspiro voltei à meninice... ao tempo dos longos dias passados em casa dos avós Arminda e Adriano em S. Pedro... lembro ver os dióspiros alinhados na janela ao sol...primeiro para amadurecerem, longe da pardalada, depois para ficarem mais quentinhos nos dias frios de inverno...
Estavam reservados para a avó mas lá íamos tendo direito a nos deliciarmos com um ou outro quando já rachados se sorriam para nós!
A casa dos avós era a casa de todas as brincadeiras... aquele pátio de cimento foi palco de inúmeras voltas a Portugal em “carecas”(bicicleta) e os protagonistas tinham nomes: Alves Barbosa, Peixoto Alves, Sousa Cardoso, João Roque, Jorge Corvo, Francisco Valada e todos os outros do enorme pelotão onde as equipas do Benfica, Porto e Sporting, ombreavam com a do Sangalhos, do Tavira, da Asas de Alpiarça, do Louletano entre outras... e nós, de cócoras, lá íamos com golpes de indicador percorrendo as estradas marcadas a giz no cimento do pátio... era uma animação... Um dia com o entusiasmo da chegada à meta da “carica”do Fernando Mendes do Benfica sentei-me num vaso com um cacto... Ui que desgraça! Aqui d’el-rei que ardume! E lá veio a avó Arminda em meu socorro e eu de nádegas ao léu para que ela com uma pinça me tirasse todos aqueles picos!!! E os colegas de brincadeira a rirem de tanto gozo!
Ao toque das sirenes das fábricas de Assequins sabíamos que eram 5 horas e daí a pouco tínhamos de regressar às nossas casas... o Zé Francisco e o Tona à casa dos pais na Bicha-Moura, ali bem perto, e o primo To-Zé à Vila Brasil na Quinta de S.Pedro...
Mas as brincadeiras eram tantas... quantas vezes as canastras do avô Adriano nos serviram de barcos em corridas imaginárias ou em viagens fantásticas por mares infestados de piratas e corsários, com lutas incríveis sugeridas pelos livros de Emilio Salgari e um dos seus heróis - Sandokan, e seu inseparável amigo o português Gastão!
Aventuras mil com índios e cow-boys no torreão improvisado nas traseiras da casa, onde hasteávamos a bandeira do 7. Cavalaria do General Custer em lutas tremendas com os Sioux de Sitting Bull!
Tempos de tanta brincadeira onde sabíamos ser felizes longe de brinquedos supérfluos, computadores ou telemóveis...
Há dias lembrava-me o Zé Francisco: Ò João e quando esborrachámos o nariz na montra da loja da Singer para ver os carrinhos da Lego...
Sessenta anos são passados desde o dia que tivemos a felicidade de brincar com "Legos"!
Depois vinha a Festa de S.Pedro, juntava-se o Caçoilo e o Tim às brincadeiras e era um entusiasmo ir ver o primo Crespo e ajudantes a montar os arcos coloridos e o coreto, onde a banda haveria de tocar... Na capela o velho Fataça, com uma almofada de alfinetes à cinta, ornamentava o altar e as paredes com ondas de cetim às preguinhas e depois os andores dos santinhos que sairiam na procissão... Santa Rita de Cássia, S.Miguel Arcanjo e o orago daquela capela, S. Pedro na sua barcaça de pescador do lago Tiberíades... onde não faltava a rede... com que pescou tanto peixe, tornando-se mais tarde pescador de homens, vindo a ser um dos pilares da Igreja de Jesus Cristo...
No domingo, depois da arruada da banda pelas ruas do lugar, havia a missa, enchia-se a pequena capela e quando os músicos no coro tocavam a Santos estoirava no ar uma descarga de foguetes... À tarde a animação da quermesse e das barracas de comes e bebes onde não faltava a do “Cá está o Aires”... À noite um “jazz” para animar a malta e convidar ao bailarico...
Mas a festa era sol de pouca dura e não tardava tudo era desmontado... e lá voltávamos nós às brincadeiras do costume... aos índios e cow-boys e aos escuteiros improvisados de aventuras mil pelas quintas e pinhais das redondezas onde não faltava a exploração de minas... em busca de misteriosos tesouros...
Isto passava-se entre o S.Pedro e a Bicha-Moura mas o mesmo com os nossos contemporâneos da Venda Nova, da Rua de Baixo, de Assequins ou de Paredes... as brincadeiras eram as mesmas e os “ataques” às quintas onde as árvores de fruto sazonais já estavam referenciadas bem como os melhores cachos das vinhas, faziam também parte dessa infância vivida com alegria e despreocupação... longe de modas e marcas...
Como é tudo tão diferente nos dias de hoje...
By João Carlos Breda
(Fotos do autor e da internet)
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