Novenas e tremoços...

A garotada saltitava na frente do grupo... as férias grandes estavam aí e os seus rostos animados isso já demonstravam... Um pouco atrás seguia o grupo dos mais velhos, na maioria mulheres que recitavam ou entoavam alguma ladainha... Mais para trás os adolescentes, rapazes e raparigas, estudantes do liceu e alguns já universitários... risinhos e brincadeiras inocentes ou não!...namoriscos!?
Era uma tarde quente de princípio de verão... os campos pintavam-se de amarelo do tremoceiros, aqui e ali pintalgado por irreverentes papoilas encarnadas... os grilos davam aso a sua alegria e cantavam sem cessar... O grupo animado atravessou o lugar do Ameal e junto à fonte de S. João, onde muitos saciaram sua sede , derivaram para a esquerda em direcção ao Gravanço... À frente na zona de pinhal surgiu à direita uma estreita e íngreme ladeira... Por lá seguiram até chegarem a uma pequena clareira onde se erguia uma alva e humilde capela...
Era a capelinha da Nossa Senhora da Boa Memória, onde anualmente se iam cumprir as novenas de agradecimento pelas graças concedidas no ano escolar ou pedir força e iluminação para os que ainda tinham exames pela frente... Estávamos no lugar do Vale Durão bem perto de Gravanço... Na capelinha havia um outro orago Santo Antão, aos pés de cuja imagem se viam porquinhos de cera e outros... promessas de lavradores que atribuíam ao santo os saudáveis suínos livres de doenças, que haviam cevado na pocilga! As senhoras do grupo iniciaram as orações da novena... Novena? Nove dias? Aqui nove pessoas? Nove orações? A minha tia Lídia e a Da. Conceição Neto iam recitando as Avé Marias no que eram secundadas pelos demais... A garotada não ia nas rezas... queria era brincadeira e corriam com coelhos pelo meio do arvoredo sem se importar com os arranhões dos tojos e da carqueja... Terminadas as orações com a Salvé Rainha foi o grupo encaminhado pelo caminho florestal até ao Gravanço e paramos na capela da Senhora do Livramento... aqui novas orações finalizadas com o entoar do Cântico de autoria do poeta de Águeda-a-Linda, Adolfo Portela...
“Senhora do Livramento, Livrai o meu namorado Que vai me deixar sozinha, Ai, meu Jesus! Ai, meu Jesus! Pela vida de soldado! Pela vida de soldado! As vossas tranças, Senhora, São loiras como as espigas! Senhora do Livramento, Ai, meu Jesus! Ai, meu Jesus! Ajudai as raparigas! Ajudai as raparigas” Era tempo de guerra... os nossos jovens iam para as colónias, para o desconhecido e a incerteza de voltarem sufocava as gargantas das mães e namoradas... e quando voltavam, os que voltavam, tinham perdido anos de mocidade... Voltemos à “novena” pois o melhor estava para vir... Não havia novena sem tremoços... e a merenda estava pronta! Os tremoços tinham sido cozidos com antecedência e depois durante dias dentro de sacos de serapilheira colocados em água corrente, neste caso na regueira do Ameal, para perderem o amargo. Depois era só temperar com sal!
O pátio era pequeno para tantos convivas... numa mesa além do trivial havia bolos de buraco e caixas de bolos de sortido... Os adolescentes foram para um lugar à parte onde o gira-discos começou a tocar Paul Anka e os pares iniciaram um bailarico...
A garotada queria era tremoços, triga-milha e laranjada!
retalhosdeaguedaantiga.blogspot.com By João Carlos Breda

Comentários

  1. Óptimo uma vez mais João. Parabéns. Continua nessa saga porque é fantástica. Abração e bem hajas por estas memórias da nossa Agueda-a-linda em que cada um de nós se revê nos instantâneos do nosso quotidiano do passado.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Pastel de Águeda... Da Ti-Quitéria ao forno da Loura e ao fogão da Gininha...

Judeus de Águeda e suas judiarias...

Responso a Santo António...