Caldeirada de Espinho...

Zé Manel olhava impaciente o relógio da velha estação e logo punha os olhos na linha a ver se o comboio aparecia... Tinha ido ao mercado bem cedo comprar peixe fresco para levar para Águeda onde uns amigos o esperavam para uma bela caldeirada e, agora, desesperava à espera do Vale do Vouga que deveria já ter chegado de Sernada do Vouga! Mas como sempre ... atrasado!
Se chegasse à hora, antes das 11 estaria em Sernada e depois mudava de comboio e descia até Águeda na direção de Aveiro. Estaria em Águeda às 12 e pico! Mas assim já não sabia nada!
Espinho, como todas as povoações da beira-mar tinha a tradição da Caldeirada de Peixe... mas não aquela caldeirada rica que estão a pensar... Era feita com o que o mar dava e que o pescador levava para casa depois de separado o Peixe para venda e daí o aparecimento nos dias de hoje de uma confraria, a da Caldeirada de Peixe e do Camarão de Espinho... para recuperar e manter essa tradição... Comprou o que tinha saído na rede naquele dia: sardinhas, carapaus e ruivos... mas foi à banca do lado e comprou uns bons pedaços de raia e assim a Caldeirada ficaria mais composta!
O comboio enfim chegou... e depois das necessárias manobras da máquina para inverter a marcha do comboio, lá seguiu... Espinho-Vouga, S. Paio de Oleiros, Paços de Brandão, Rio Meão. S. João de Ver, Cavaco, Vila da Feira, Arrifana, S. João da Madeira, Couto-Cucujães, S. Tiago, Oliveira de Azeméis, Ul, Travanca, Pinheiro de Bemposta, Branca, Albergaria a Nova, Albergaria a Velha e Sernada!
Esta linha denominada Linha do Vouga foi iniciada em 21 de Setembro de 1908 e seguia até Viseu. O ramal de Aveiro-Sernada somente teve início em 1911. Em Sernada mudou para o comboio do ramal de Aveiro... que por sorte não demorou e logo seguiu... Jafafe, Macinhata do Vouga, Carvalhal da Portela, Mourisca e Águeda...
Chegado a Águeda, saíu da estação e subiu um pouco até à pensão Hugo e entrou na taverna. O Pedro, atrás do balcão perguntou? “Branco ou Tinto? “ “Põe aí um branquinho e chama a Ti-Madalena”, disse-lhe o Zé Manel. A Sra. Madalena apareceu e vendo o Zé Manel perguntou: “Então trouxeste o Peixe para a Caldeirada!? “Olha que a rapaziada vem para comer à uma da tarde!” Era sábado e trabalhavam até àquela hora. “Vamos lá ver o que trouxeste?” “Olhe, trouxe o que saiu na rede!!!”respondeu o Zé Manel. A Ti-Madalena foi logo para a cozinha,deu o Peixe à Maria para amanhar e escolheu o tacho adequado à porção que iria cozinhar. Começou por pôr cebola, pimento, umas cabeças de alho, polpa de tomate, folhas de louro e um ramo de salsa. Depois uma boa camada de batata... e polvilhou com pimentão... de seguida regou com azeite e vinho branco, sal q.b e pimenta... juntou-lhe um pouco de água. A Maria entretanto trouxe-lhe o peixe, que igualmente dispôs em camadas... e pôs ao lume!
Enquanto acabava de beber o branquinho o Zé Manel olhava a rua e esperava a chegada dos amigos, que não tardaram a aparecer. Logo a seguir chegou o Ti-Chico Balreira, marido da Sra. Madalena. O Ti-Chico tinha fechado a marcenaria mais cedo para poder vir acompanhar o grupo de amigos, todos pintores das Faianças do Outeiro... o Ti-Chico e a Sra.Madalena exploravam na altura a Pensão Hugo!
O tacho veio para a mesa a fumegar e o aroma que irradiava faria levantar um morto!... Retalhosdeaguedaantiga.blogspot.com By João Carlos Breda Notas do autor à margem do post: 1. A Linha do Vale do Vouga no presente só vai de Espinho-Vouga até Oliveira de Azemeis. 2. O troço de Oliveira de Azeméis a Sernada é feito de táxi! 3. Na Sernada só dá para apanhar o ramal de Aveiro...Há muito que a continuação para Viseu foi interrompida! 4. Em Macinhata do Vouga existe uma secção museológica, que vale a pena visitar... 5. A Pensão Hugo já não funciona, apenas a taverna lá continua. Na sua fachada podemos encontrar o primeiro painel de azulejos pintado por mestre João Breda.

Comentários

  1. A Águeda que eu vivi -- até aos 23 anos (1928/1951) -- é menos antiga do que a que se imagina lendo o texto, mas me faz recordar lugares, pessoas e eventos. Fica-me a ideia de que o autor desejou partilhar a saudade. Em mim conseguiu.

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