Romaria da Caçoila
À sombra da pequena latada do pátio frontal à sua casa, Meste João Breda improvisou o seu atelier e pintava à mão os pratos de faiança alusivos à próxima Romaria da Caçoila e que seriam a recordação desse ano para os convivas presentes.
A romaria estava para breve...
“Sete semanas depois da Páscoa por volta do mês de Junho, ao pintar das primeiras cerejas, o S. Geraldo acena de Bolfiar, com as suas bandeiras.
Esta é uma das grandes romarias que existe no concelho de Águeda, trazendo muitos devotos de fora do concelho. O sítio é lindo. Os rios Águeda e Alfusqueiro encontram-se nesta localidade – Bolfiar.”
Com cuidado, o Mestre lá ia inscrevendo o nome dos participantes: José Augusto, Modesto, Quim Moreira, Martins, Hernâni, Adolfo, Cruz, Carlos, Jaime, Manuel, José Vicente, Balantas, Almeida, António... etc, etc.
Na decoração do prato a respetiva caçoila de barro preto ou não fosse a comezaina à volta dessa iguaria – a lampantana - um dos pratos típicos da região cuja tradição era ser comido nos dias de festa! Para tal na casa do Zé Guigo (José Augusto Gameiro) preparava-se de véspera a carne de carneiro (ou ovelha) temperando com sal,pimenta (ou piri-piri), alho, colorau, banha de porco, azeite e louro... Nas caçoilas a carne era deitada numa cama abundante de cebola e depois coberta com vinho tinto da Bairrada (Baga)ficando a marinhar para o dia seguinte com um raminho de salsa... Na manhã seguinte depois do forno a lenha onde se coze a broa ter sido bem aquecido, entram as caçoilas para cozer lentamente a lampantana (4 a 5 horas) ...
Na hora, com os comensais já sentados, as caçoilas fumegantes são tiradas do forno e colocadas na mesa tendo como acompanhamento grelos e batatas cozidas...não faltando o pão e as picheiras de vinho tinto não param de rodar...
Enquanto isto os romeiros oriundos das terras da beira-mar e de toda a zona serrana não paravam de chegar ao pequeno lugar de Bolfiar e lá iam à pequena ermida de S. Geraldo cumprir suas promessas...
“Para cativar as graças e protecção de S. Geraldo, os romeiros oferecem um tamanco de milho, uma telha furtada, uma cestinha de ovos, ou um ramo de cravos.”
Uma nota curiosa sobre Bolfiar que foi Vila e teve foral no reinado de D.Diniz... Nessa altura os romeiros vinham rio acima desde a beira-mar e atracavam os barcos no Cais dos Pepinos no Rio Águeda. Segundo nos contam em tempos remotos esse cais dos Pepinos era frequentado por árabes que lá vinham carregar os ditos pepinos e abóboras...”
De Águeda, pela EN 230 , logo pelo fresco da manhã iam os romeiros que tinham prometido ir a pé...
Foi o caso da ti-Maria e ti-Manel que cedo saíram de casa e já tinham passado a Alhandra quando foram surpreendidos por uma chuva miudinha, que uns dizem ser de molha tolos, mas na verdade molha a todos!
Ti-Manel enterrou a boina na cabeça e levantou a gola do casado... e lá enfrentou a chata da chuva. Já faltava pouco!...
Ti-Maria levantou a saia rodada e pô-la pela cabeça a servir de capuz... o saiote cobriria as suas intimidades... e lá seguiram, ti-Manel à frente e ti-Maria atrás... Passaram o Raivo e já no Soralvo começaram a cruzar-se com carros que buzinavam, faziam sinais e riam... mas o casal, impávido, lá seguia um atrás do outro num passo certo para fugir à chuva... Ao chegarem à ponte do Alfusqueiro, mesmo à porta de Bolfiar, ti-Maria repara que leva as pernas ao léu! “Oh caraças!” Quando puxou a saia o saiote veio atrás e ela veio naquele preparo todo aquele caminho!
E de imediato questiona o marido: “Ò Manel, que raio! Não me avisaste “estapor”! Vim todo este caminho com as pernas ao léu e a mostrar o cu?”
“Ò Maria, eu sabia lá qual tinha sido a tua promessa?” Replicou o ti-Manel!
Esta e outras histórias eram-nos contadas pelo avô Adriano “Canastreiro”.
Ele era um dos romeiros que anualmente ia a pé a Bolfiar logo de manhã pela fresca e depois no regresso nos trazia cerejas e sequilhos.
Fui ao S.Geraldo à festa
Rio acima barco à vela
Ai li Ai ló Ai li ai larilo lé
De lá vim de lá te trouxe
No coração uma estrela
Ai li Ai lo Ai li Ai larilo lé
Da Rapsódia de Águeda (Orfeão)
...
O povo da Vila não era indiferente a esta bela Romaria a S. Geraldo e a pé ou de barco lá ia cumprir as suas promessas para no regresso parar no Souto do Rio, onde comiam as merendas...
Retalhos de Águeda Antiga
by João Carlos Breda
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