Procissão dos Passos...

Com uma amêndoa na boca e o cartucho no bolso esperava ansioso pela passagem da procissão... O sino na torre da igreja tocava a compasso anunciando que a dita já saira da Igreja. Era sexta-feira dia da Senhora ir para Paredes. Enquanto minha mãe, irmã e tias tinham ido para a Igreja, eu tinha vindo com o meu pai ao Café Santos, onde ele me comprara um pacote de perfumadas amêndoas brancas e cor de rosa, e agora, abrigando-me duns pinguitos de chuva que iam caindo, ali estava eu, expectante, nos degraus da entrada do café...

A rua de cima estava como se fosse dia... em todas as janelas tremeluziam velas e havia algumas casas com gambiarras de lâmpadas... Então, na esquina da Farmácia Vidal surgiram as primeiras lanternas e a Cruz da Irmandade das Almas que abria a procissão... Lado a lado os irmãos seguravam os seus círios iluminados e em breve se aproximou o andor da Nossa Senhora da Soledade, suportado por seis homens, três de cada lado, que batiam cadência do andamento com as varas de apoio do andor enquanto os bombeiros lhe faziam guarda de honra... Logo atrás o Sr. Prior, seguido pelo Juiz da Irmandade e pela Aia da Senhora. Depois as pessoas com promessas, algumas com velas do seu tamanho ou maiores e logo todo o povo de vela na mão rezando... À passagem da minha mãe e tias, juntei-me a elas e lá fui até Paredes, não sei se rezando se roendo as amêndoas...

De regresso a casa subimos à Venda Nova e passando na Avenida Dr. Manuel Alegre parámos na casa da Maria Fataça. Era ela que nos amassava e cozia a fornada dos Bolos da Páscoa com uma maestria ímpar... Na semana seguinte a minha mãe teria de levar os ingredientes: farinha, manteiga e ovos o resto ela poria a gosto (sal, leite, casca de limão...e havia quem lhe pusesse 1/2 cálice de aguardente)... Dizem que o segredo está no bem fazer levedar a massa e amigos meus diziam que as mães punham a massa aos pés da sua cama para que com o seu calor mais fácil levedassem!... Normalmente bem abafados com cobertores e o auxílio de botijas de água quente e evitando correntes de ar... e mal estivessem lêvedos correr para o forno, a qualquer hora, para o cozer... Que trabalheira e muitas das vezes “amuavam” e ficavam chatos como pratos!

Voltando às cerimónias religiosas, que segundo os historiadores remontam a anos do sec. XVII... De referir que a imagem de Nossa Senhora da Soledade no final da procissão ficou recolhida em Paredes na Capela de N. Sra. d’Ajuda e só de lá sairá no Domingo de Passos para se integrar na Procissão do Encontro, com a outra procissão que virá de Assequins, da Capela de Nossa Senhora da Graça, com o Senhor Jesus dos Passos... Assim, amanhã sábado a Irmandade do Senhor Jesus irá levar em procissão o Senhor dos Passos, na sua cabaninha... e será cantado o Miserere em diversas paragens e o povo em grande número o irá a acompanhar de vela acesa e rezando... Eu vou ficar em casa do avô Adriano com os meus primos a acender as tigelinhas de cebo e as velas que a Tininha preparou... desta vez temos também uma cruz e todo o conjunto vai fazer um belo efeito iluminando a colina de S. Pedro!

No domingo à tarde, e como habitual vamos para casa da Tia Teodorina (Chapelaria Pereira na Rua de Cima)... A família da parte da minha mãe estará lá quase toda, exceto os emigrados nas Áfricas ou Brasil. Na verdade a varanda e janelas da casa são pontos privilegiados para ver as procissões... estas percorrerão as ruas da baixa da Vila, com a Senhora da Soledade à procura de Seu Filho, o Senhor Jesus, que virá na outra procissão... O encontro das duas procissões será na Praça Nova (Conde de Águeda), que desde cedo fica repleta de povo ávido para ouvir as palavras inflamadas do Pregador que proferirá o Sermão do Encontro... e que, a certa altura, dirá: “aproxima-te ò Filho da Mãe!...” E depois seguirá a procissão a caminho do Calvário (na Igreja) com o Senhor Jesus sofredor à frente e sua mãe, a dolorosa Senhora da Soledade, atrás... e as bandas tocando as eternas peças instrumentais da música de Águeda...

retalhosdeaguedaantiga.blogspot.com by João Carlos Breda . Março de 2019