Passeio em família à praia...
O sol ainda não nascera mas o tons celestiais, que adivinhavam a alvorada, diziam-nos que vinha aí um dia de calor estival...
O grupo começara a juntar-se no largo junto à Câmara e as cestas com os farnéis aglomeravam-se nas escadarias dos Paços do Concelho.
Na Rua de Cima (Luís de Camões) surgiu uma viatura... Era a camioneta dos Azeitonas que vinha da sua garagem em Além da Ponte. Esta camioneta fazia a carreira regular para o Caramulo, mas dado ser domingo, havia sido alugada pelos trabalhadores da Fábrica do Outeiro para ir passear com as famílias até às praias...
O condutor, o Ti Alberto da Joana, tratou logo de começar a organizar a arrumação dos farnéis. Entretanto o João Breda começou a fazer a chamada: Raul, Manué, Benedito, Maria, Manel, Lanheses, Carvalho, Fataça, Rachinhas, Albino, Bério... Bério! Faltava o Bério!
O Bério vivia no Sardão e tinha-se atrasado...
De súbito alguém gritou: “já lá vem!”
De fato ao fundo da rua surgiram dois vultos... Era o Bério com a Lola a reboque carregada com o cesto do farnel.
E ele a vociferar raios e coriscos!!! A culpa era da Lola!
O João concluiu a chamada e com os cestos todos arrumados o Ti Alberto pôs a Bedford em marcha e iniciamos a viagem. Primeiro passamos o Bairro de Paredes, depois de atravessar a praça Conselheiro Albano de Melo, a E.N. 1 junto ao antigo posto da PVT (1) que aquela hora não tinha vivalma e passado o Largo da Senhora da Boa Morte, onde as bombas de gasolina da Shell também ainda estava fechadas, seguiu-se a alameda de Paredes, com a Junta Nacional dos Vinhos à esquerda e o Cruzeiro de Paredes à direita...
Com lentidão a velha Bedford atacou as curvas de Paredes e lá seguimos pelo raso em direção à Travassô. Depois a descida e as curvas de Almear com o miradouro que proporciona uma bela vista sobre o rio Águeda e a Pateira, levou-nos até à Ponte da Rata, que sendo construída em madeira toda ela rangia à passagem da nossa camioneta cheia que nem um ovo!
Ali um pouco à frente o rio Águeda junta-se ao Rio Vouga e lá seguem para ir adoçar a Ria de Aveiro...
À entrada de Eixo tivemos de parar na passagem de nível para deixar passar o Vale do Vouga(2)... depois lá seguimos, Eixo, Azurva, Esgueira, enfim Aveiro que percorremos pela Av. Dr.Lourenço Peixinho até ao centro junto ao Hotel dos arcos.
Saídos de Aveiro logo a paisagem se modificou e os pulmões encheram-se com o ar a cheirar a maresia. Assim percorremos toda aquela área de salinas até chegarmos à Gafanha da Nazaré onde a camioneta fez a primeira paragem no Jardim Oudinot junto ao velho farol do Forte.
Ali desceram algumas famílias, entre as quais a minha e a do Sérgio Manué, que a pé carregando os cestos, sacos e garrafões, foram parar na Praia do Forte a caminho dos depósitos da Sacor. Essa praia de águas mansas era propícia à garotada que logo correu a molhar os pés e a esmagar as primeiras vinagreiras!!!
Minha mãe gritou: “João Carlos, olha o sol, poe o boné! “
Logo seguido da Ti Inês: “Sérgio Manué olha o chapéu! “
E a brincadeira continuou... apanhando conchas e búzios... A Tininha jogava ao ringue com a Alicita. Meu pai e o Manué, de calções de caqui experimentavam a água da ria, no que foram seguidos pelo avô Adriano, que arregaçou as calças até ao joelho...
De súbito a ondulação aumentou e quase destruía o castelo de areia que havíamos construído! Um enorme petroleiro havia entrado a barra e seguia a caminho dos depósitos da Sacor causando o agitar da ondulação da ria!
E chegou a hora do almoço...
Minha mãe desembrulhou os jornais e abriu o tacho de arroz de farnel (arroz de galinha) enquanto a avó Arminda destapava o tabuleiro com a salada fria e a Tia Lídia abria as caixas dos bolinhos de bacalhau, dos filetes e dos rissois de peixe, tão deliciosos que sabiam a lagosta! Lagosta? Eu sabia lá o que era isso!
O palhinhas de dois litros foi também aberto e para os garotos e mulheres que não bebiam vinho havia laranjada Bussaco! Foi um almoço bem disposto e alegre com as famílias que tinham optado por aquela primeira paragem em perfeito convívio e partilha...
Arrumadas as sobras nas cestas de farnel foi tempo para rumar até junto da ponte de madeira no Forte onde apanhamos a carreira da Viação Aveirense que atravessando a ponte nos levou à Barra e depois à Costa Nova, onde paramos junto à garagem daquela empresa de camionagem.
Descemos para a beira ria e na marginal enquanto os homens iam limpar a garganta ao Jordão, as mulheres e os mais novos compravam a típica bolacha americana ou tentavam a sorte nos furos da Regina...
Nos muros da ria aglomeravam-se garotos que com uma isca de rabo bacalhau atada num cordel tentavam apanhar caranguejos...
Depois os queriam ir à bruxa concentraram-se junto ao velho Cais e esperaram que o moliceiro regressasse da outra margem para fazer nova travessia até à Gafanha da Encarnação... e lá fomos!
Mas, bruxa não vi e afinal a bruxa era uma bebida e só para os maiores... jeropiga ou vinho branco com cerveja! Bem, havia tremoços e amendoins e aí atacamos nós os mais novos...
No regresso à Costa Nova com a maré a subir o moliceiro ondulou um pouco e alguns gritinhos saíram das gargantas das mais inseguras! Mas lá se chegou a bom porto ao cais da Costa Nova.
Entretanto a nossa camioneta (dos Azeitonas) já ali estava por perto e o Ti-Alberto ajudou a distribuir as cestas dos farnéis para que os excursionistas pudessem devorar os restos do almoço antes de regressar a casa!
Comida a bucha final e mais conversa menos conversa lá embarcamos na velha Bedford e depois de verificada as presenças o Ti Alberto da Joana pôs a viatura em marcha e seguimos em direção à Barra ...
“Adeus ò farol da Barra,
Adeus ò ria de Aveiro,
A saúde vai na mesma,
Mas a bolsa sem dinheiro...”
Atravessamos a ponte de madeira do Forte que abanava e rangia mas não caía... passamos o Jardim Oudinot e a Gafanha...
“João Carlos, João Carlos, acorda que já chegamos...!”
Tinha adormecido logo à saída, o que não era de admirar face a um dia de tamanha labuta!
Tinha sido um belo dia!...
1)Posto da PVT – Polícia de Viação e Trânsito.
2)Vale do Vouga – Linha de Caminho de Ferro. Na ápoca de Aveiro a Viseu. Tinha paragem obrigatória em Sernada do Vouga, onde chegava o ramal que vinha de Espinho.
RETALHOS DE ÁGUEDA ANTIGA
By João Carlos Breda
retalhosdeaguedaantiga.blogspoot.com
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