Ti-Glória do Xaréu...
O cheiro a flor de tília era intenso naquela tarde de Maio... As tileiras estavam no auge da floração e o Largo da Senhora da Boa Morte respirava vida...
A garotada enchia os degraus do velho Cais e dando banho à minhoca lá iam tirando uns robaquitos... o Luís da Viela dos Padres já tinha o balde quase cheio! Era o mais hábil a colocar a bicha no anzol e cada mergulho cada peixito!
Um grupo aproximou-se, espreitou a pescaria e seguiu em direção à Alameda de Paredes mas ficou-se logo ali na tasca da Ti-Gloria do Xaréu onde entraram.
“Boa tarde Glória!” quase disseram em uníssono!
“Boa tarde rapazes!” respondeu-lhes a ti-Gloria detrás do balcão enquanto punha quatro copos de meio marquês à frente deles. “ Branco ou tinto” perguntou...
“Bota tinto que se aproveita a cor” disse o Arcanjo a sorrir!
“Então o que tens hoje para petiscar?” perguntou o Eugénio.
“Tenho um arroz de coelho a sair....”
“É isso mesmo” disse o João.
“Então subam lá para cima que já lá vou por a mesa!”
O Vitorino contava uma das suas aventuras e os três riam a bom rir quando surgiu o tacho fumegante...
Ficou-se por ali a conversa... o conteúdo do tacho tornou-se no centro das atenções...
A Ti-Glória do Xaréu onde punha as mãos fazia maravilhas... a cozinha não tinha segredos para ela e preparava carne ou peixe como ninguém!
O coelho tinha sido morto no dia anterior e posto a escorrer depois de esfregado com sal e lhe tirado o bedum... depois foi esquartejado e posto em vinho de alhos. O estrugido com cebola picada miudinha, louro e piri-piri foram a cama onde os pedaços de coelho foram primeiro aloirar... depois, depois juntou-lhe o caldo e quando ferveu o arroz e deixou cozer...
“Ò Gloria traz cá mais uma picheira ... abusaste do piri-piri! “
A taberna da Ti-Glória do Xaréu ficava na Rua 5 de Outubro no final da Praça da Senhora da Boa Morte (ao Cais das Laranjeiras) e quase ao início da Alameda de Paredes que bordejava a Adega da Junta Nacional dos Vinhos. Um pouco à frente, depois de passamos o Cruzeiro de Paredes, temos a Capela da Nossa Senhora da Ajuda, onde também se venera o Santo Amaro no dia 15 de Janeiro, e onde é tradição ir naquele dia orar e comprar figos secos. Essa tradição era seguida por minha mãe e por muitas outras pessoas da Vila que naquela tarde lá iam a Paredes rezar ao santo e comprar os figos bentos...
“É rapazes!”, dizia o João, “vamos lá beber mais um copo e toca a andar, se chegamos atrasados ao ensaio o Neca puxa-nos as orelhas!”...
“Tens razão!” retorquiu o Vitorino.
E lá foram em direção à Vila!
Nota do autor: Neca Carneiro reuniu à sua volta a rapaziada da época, a chamada Ala dos Namorados, e com eles animou diversas iniciativas, desde o teatro, ao futebol, ao orfeão, os bombeiros... passando pelos ranchos... Como foi o caso do Rancho de Recardães, que nasceu dos ranchos que se organizavam na Praça Velha (o racho do “gadelho”) e na Praça Nova (o rancho da “penugem”) por ocasião dos Santos Populares ou de qualquer outra festividade...
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Retalhos de Águeda Antiga
By João Carlos Breda
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